Colcha de Retalhos

"O homem é um deus quando sonha e não passa de um mendigo quando pensa." Holderlin

Textos

DESENGANO

O amante busca as reticências do sentimento nos estilhaços do espelho partido. Procura em vão a imagem perdida em desculpas e ilusões. O espinho amargo do silêncio entranhado na garganta recolhe um mutilado grito. Por quê? Quando? Interrogações vazias num mundo de sonhos envelhecidos. Resta guardar as promessas sob as faces despidas e expurgar as máculas da cumplicidade das novas vestes cotidianas.

Um susto. De repente, a fragmentação. Ressente-se ainda da verdade que não semeou, mas a realidade é árida e não acolhe os frutos. Perde-se no recolhimento do córrego que evapora e deixa à mostra as pedras ressecadas do leito longínquo. Eu, tu, ele, nós... Pretéritos definidos nas sobrevidas condenadas aos desertos da covardia e do medo.

Após a primeira impressão, a dor se dispersa num corpo abstrato, já quase fictício. Natureza das rochas. Já não vertem as lágrimas que infiltram e transformam as emoções. O amante sente culpa e pena de si. Perde a voz, o passo, o olhar... Em seguida da paixão, vestígio antediluviano encarcerado nos segredos interrompidos, percebe a responsabilidade pelo próprio abandono e se conforma com a privação dos verbos. Acreditar é uma conduta que evidencia a consciência do risco e revela as falsas aparências, os desejos e os enganos.

Depois de tentar umedecer as pedras lapidadas na recordação, o apaixonado percebe a natureza sáxea da indiferença. Quase distante da própria vivência, com a face corroída com o desgaste do encantamento, ri de si como quem ri do tombo de uma criança travessa que fica embirrada como se o outro fosse sempre o culpado por sua desatenção.
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 25/06/2007


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras