ENCONTREI O ROSTO DA POESIA - Fred Roberty
“Do mar a Marte
Tenho que saber Qual rochedo me parte. Qual parte Me é metade Qual noite Já me é tarde.” Fred Roberty Observei sua silhueta em um dia cinza de obrigações. Perdido entre títeres comuns, o jovem estava parado perto de uma floreira na Rua XV de Novembro, no centro de Curitiba, com alguns livros na mão. Usava uma camiseta com um desenho infantil e se aproximava das pessoas com o acanhamento de uma criança. A maioria dos transeuntes passava apenas sem dar atenção à presença do poeta que tentava apresentar seu trabalho. Por ironia, o título do livro verde era “Quase todas as pessoas”. Quando pude resgatar seu olhar, escondido sob os longos e desalinhados cachos negros, algo rompeu em mim como se tivesse redescoberto o significado da vida ou pela primeira vez estivesse face-a-face com a poesia. Um instante maravilhoso e assustador que rasgou minhas ambigüidades e deixou-me desprotegida para criar novas máscaras para sustentar o ato do dia-a-dia. Fred Roberty. A poesia tinha rosto e nome. Grandes olhos inquietos, argutos, inocentes... Um olhar de janelas que tremem com o vento. Forte e frágil, quase infantil... Já gritava as grandes questões do ser e os resguardados sonhos do menino... Mostrou-me seu livro artesanal, datilografado e escrito à mão. Folheei e não pude dominar as raízes que suas palavras fincavam em mim, as flores que desabrochavam na releitura dos versos ou os espinhos que sangravam as entranhas com uma metáfora fatal. "Uma flor no jardim ninguém a viu era segunda-feira mas ela resistiu e não deixou de ser flor" Olhar à deriva num oceano de lágrimas contidas, riso redescoberto num horizonte de inquietações... Seus poemas abriam as chagas de minhas dissimulações e me libertavam do personagem, dos respectivos chistes e dramas. Já não podia representar para ele ou incorporar o tipo, restava-me tirar a máscara cotidiana e tentar reconhecer meus traços no seu olhar desconfiado. Seus versos eram uma revelação, uma interpretação divina dos seres e do mundo... Fred, com a voz terna, quase hesitante, anunciava a vida como algo simples, quase natural. “Não há mistérios. Só preciso estar bem, comer e dormir, o resto é escrever... Vem assim, quando vi o poema já está no mundo... Faço o livro e tento vender.” Guardei o livro “Quase todas as pessoas” na cabeceira e, no íntimo, consagrei a verdadeira face da poesia num espelho de percepções. Voltei ao trajeto rotineiro como uma criança num andamento novo a ser desvendado... “Se eu tivesse ao menos um poema ... para rasgar minha culpa. Se eu tivesse ao menos Culpa de alguma coisa...” A transparência de suas palavras abriu as cortinas de uma existência nua e panteísta. Distante dos fantoches e dos hipócritas, era ele, Fred Roberty, um jovem poeta quase desconhecido, o verdadeiro criador da realidade, o messias a anunciar a existência da humanidade liberta dos cordões e das varetas.
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 26/09/2005
Alterado em 26/09/2005 |