O INFERNO DE DANTE
“Ali chegamos; e à vista me estorço de gente imersa em fossa: todas esterco, como se humano, a cobrir cara e torso.” Canto XVIII – Inferno Início do século XIV, famílias tradicionais lutam pelo poder em Florença e os cargos públicos ficam à mercê dos interesses políticos. Dante Alighieri é acusado injustamente, pela facção negra dos guelfos, de corrupção financeira, aceitação de suborno, peculato e o que hoje conhecemos como gastos irregulares com campanhas eleitorais. Conhecedor de sua condenação sumária à fogueira e da impossibilidade de defesa, o poeta florentino passa dezenove anos no exílio, quando escreve o ápice de sua obra literária intitulada Comédia. O adjetivo “divina” foi acrescentado dois séculos após a sua publicação. Dante Alighieri morre distante de sua cidade natal. Florença era mais do que o local do nascimento, era o contexto de sua existência, a ambientação para toda sua obra literária, e o motivo para sua dor lancinante que o impulsiona a se aprofundar nos nove círculos do inferno, acompanhado por Virgílio, representando a sabedoria humana, em busca de si mesmo e de auto-realização, para finalmente ser elevado ao paraíso. A Comédia encontra o final feliz na sabedoria divina representada por sua eterna musa Beatriz, cuja morte ainda em tenra idade tanto o impressionou. Os cantos expõem os personagens florentinos com seres mitológicos, filósofos, poetas, religiosos... A voz do escritor exilado compôs o maior poema de todos os tempos e a percepção mais aprofundada do inferno. Mesmo à distância, Dante analisa o comportamento dos seus contemporâneos, descreve os pecados e as penas com os metafóricos julgamentos nos subterrâneos da alma humana projetada nos atormentados níveis. O Inferno de Dante até hoje influencia a percepção dos artistas e intelectuais. Distante da realidade, as descrições do oitavo círculo do inferno, onde jazem os corruptos que se locupletaram com os recursos públicos, são impressionantes e sugerem as punições perfeitas para os pecadores com as respectivas almas cobertas com piche imundo e dilaceradas pelos demônios. O Inferno de Dante é uma leitura que fortalece a indignação dos que assistem aos espetáculos medonhos dos jogos políticos, com a percepção da metafórica e inclemente justiça divina em confronto com os acordos humanos e as mitigadas punições compreendidas nas entrelinhas dos noticiários. Dante reservou o lugar mais quente do inferno para aqueles que em tempos de crises permaneceram indiferentes... Resta imaginar o que o poeta florentino escreveria ao perceber a realidade no inferno cotidiano de milhões de miseráveis, no purgatório dos indignados ou nos paraísos deturpados, escondidos e obscuros, onde brilham apenas os grandes interesses de poucos poderosos. Será que ainda concluiria a narrativa de seu trajeto com a possibilidade de rever as estrelas?
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 01/09/2005
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