Colcha de Retalhos

"O homem é um deus quando sonha e não passa de um mendigo quando pensa." Holderlin

Textos

A MENINA DO ELEVADOR

Era um sonho que ela aprendeu a comportar no espaço de um metro quadrado. Ela, uma menina de grandes olhos assustados; ele, um adolescente com olhar rebelde e disperso. As alturas distanciavam as perspectivas, mas, nos rápidos encontros no elevador, o jovem e a menina trocavam ternas palavras: ele com um carinho distanciado, quase jocoso; ela, com o encantamento dos silentes botões das paixões virginais.

Cresceram com as engrenagens que descem e sobem, como as portas que abrem e fecham e muitas vezes surpreendem com algumas presenças. Em ascensão, ela descobriu o mundo, mas nunca perdeu a palpitação dos inesperados e breves momentos com o rapaz. Ele talvez tenha permanecido indiferente, preocupado com a descoberta de geografias mais sensuais e amadurecidas.

Alguns anos passaram até que os dois se encontraram numa sexta-feira à noite no ascensor. Trocaram as palavras comuns, mas havia um outro significado no olhar. Por coincidência, ambos estavam sem programas e se aventuraram numa saída pelos bares do bairro.

“Nossa! Como você cresceu...!”

Ela se sentiu inibida com o comentário. E os tantos anos no elevador? Ele se aventurou em outras exclamações e interrogações. Ela permaneceu com um sorriso tímido e mordia ligeiramente o lábio inferior para disfarçar o constrangimento. Passaram a noite experimentando as casas noturnas. Ela forçava estar ambientada, conhecer todos os bares e o máximo de pessoas. Ele mostrava-se um pouco entediado, preferia encontros mais intimistas e locais mais calmos. Ela, uma adolescente; ele um homem recém-formado marcado pela angústia das primeiras experiências no mundo adulto.

Os lábios se tocaram, assim com as mãos, os olhos, os pensamentos... O jovem casal deixou a noite apresentar o romantismo dos encontros inesperados. Inesperados? Ele não poderia prever os sonhos da menina; ela não ousaria perceber como realidade as idealizações com o rapaz de olhos verdes.

Depois desta noite, nunca mais se encontraram no elevador. Não da forma como estavam acostumados a se encontrar. Repleta de mistérios e interditos. Eles ainda ensaiaram um namoro, brincaram com algumas alegrias e se despediram sem mágoas. A jovem não conseguiu resgatar os sonhos dos breves intervalos cotidianos no elevador. O rapaz já era realidade.

Longe dos trajetos verticais, ventavam fantasias no horizonte.

Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 16/04/2007


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