SONATA DA PAIXÃO
Meu primeiro colo foi um canteiro. Minha mãe tem nome de flor. O ventre solo acolheu-me semente e lançou-me ao mundo rebento rosa chá. Encontrei-me no sonho acolhido e flutuei no cerne da vida. Minha mãe dizia entre sorrisos que o meu pai tinha cheiro de alecrim. Rosmaninho, orvalho do mar, folhas labiadas... O tempero e a cor da minha trama. Na concepção incorporei a maresia no oceano tranqüilo entranhado no corpo e percebi as marés e as luas na orla, protegida sobre as pedras do cais feminino. Cresci com a dor do primeiro botão. A saliência despertou no caule das primaveris vivências e desprendeu o tronco com circunstâncias de ventos. Entornei o vinho dos virginais desejos e encontrei na carne as chagas do corpo em cruz. Das cicatrizes, espinhos... Dizem que resguardam os sonhos e debelam os medos, mas tem noites em que perco o sono, encolho-me, não percebo as alegorias e ainda sinto a aflição dos espinhos cravados na pele da lembrança. Encontrei-me rubra com as pétalas revoltas. Os caminhos... Tantas opções e apenas uma posse de passos. Multiplicação de espinhos, ciclos de espera e renovação... Passei em procissão e ornei o templo com fantasias. Compreendi a sonata que repercutia e ritmava meus movimentos. Tantas vezes me rebelei em sons discordantes. Sangrei destinos e me cerzi em alguns acasos. Moldura de risos, superfície de falsos planos... Eu, o retrato enraizado no canteiro de um espelho; eu, o reflexo emoldurado em outras perspectivas... Reconheci que paixão é um substantivo feminino como também a vida. Brinquei com palavras e me conjuguei amor, busquei complementos em corpos etéreos, encontrei-me entre estrelas e pousei orvalho da noite no colo sereno da percepção do próprio ventre. Pontuei orações com pétalas e espinhos sem finalizar as reticentes sementes manifestas no tempo. Assumi a autoria de ser mulher.
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 02/03/2007
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