MELHOR IDADE
Dia de reuniões. Antônio aproveitou as horas perdidas no aeroporto para ler e reler o projeto que iria apresentar. Como seria a vida sem o notebook? Sem a agenda eletrônica? Sem o celular? Ele corrigiu distraídos erros de ortografia e ponderou sobre a elaboração de alguns tópicos do projeto de integração a ser apresentado para empresas. Fez algumas ligações, anotações e rabiscos... Qualidade de vida? Satisfação profissional? Capacitação? Quais são os anseios? Quais as inquietações? Uma jornada de dois dias no tema de recursos humanos e a incapacidade de humanizar algumas emoções distantes dos fluxogramas empresariais. Integração... Compromisso... Banalização do sofrimento... Medo... Definitivamente ele não estava no seu melhor momento quando teve sua atenção desviada pela chamada de uma companhia aérea. “Vôo 2007. Embarque imediato. Prioridade para melhor idade...” Melhor idade? Antônio correu para o guichê, tentando descobrir as razões para a valorização. Qual é a idade? Por que melhor? No balcão, a simpática atendente não conseguiu desvendar as motivações da intitulação. “Melhor idade... Está no estatuto do idoso... Respeito... Aprendi no treinamento... Está no manual da empresa...” Depois de algumas frases soltas, sem encontrar os argumentos que justificassem a identificação do grupo privilegiado, a funcionária falou para ele embarcar logo, pois o vôo já estava em última chamada. Um tanto sem graça, Antônio agradeceu a atenção e explicou que não era o seu vôo, nem viajaria por aquela companhia, só ficara intrigado com a determinação de melhor idade para os mais idosos. A garantia dos direitos em condições de liberdade e dignidade já era um diploma executável de reconhecimento aos mais idosos. O eufemismo da determinação “melhor idade” era um exagero, poderia até ser proferido entre as linhas da ironia. Quem teria o direito de determinar no tempo o que é melhor se cada vivência é uma etapa absoluta? Antônio voltou para os arquivos de sua apresentação e os apagou. A melhor idade é a que está acontecendo, é a vida, a possibilidade de se integrar com o mundo em harmonia. Antônio desligou o notebook e, com os olhos fechados, sentiu a satisfação pela intuição do tema. Ouvir, questionar, perceber o mundo, ser compreendido não como o melhor, mas como a verdadeira possibilidade de ser. Eis a verdadeira integração, capacitação e reconhecimento.
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 23/02/2007
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