Colcha de Retalhos

"O homem é um deus quando sonha e não passa de um mendigo quando pensa." Holderlin

Textos

ENTREATOS

Bárbara e Fernando se encontraram pela primeira vez numa apresentação dela e depois todos os encontros pareciam destinados aos holofotes. Não conseguiam espaço para construírem um vínculo com intimidade. Eram contatos rápidos sempre no meio de conhecidos. Um olhar carinhoso, um toque discreto, uma declaração flutuante entre linhas e reticências, um roçar de lábios nos cumprimentos, e logo se perdiam em mensagens e na expectativa de novas oportunidades.

Meio de semana. Encontro marcado no barzinho que Fernando freqüenta. Bárbara se arrumou feliz com a possibilidade de revê-lo num lugar onde ela era desconhecida. O anonimato possibilita descobertas. Só os dois. Celulares desligados. Mãos dadas e olhares entrelaçados. A inquietação dos primeiros encontros, uma certa timidez, uma inconstante palpitação...

Perfeito. Ela se preencheu com as palavras dele e deixou transbordar o encantamento no olhar. Pela primeira vez, a vida de cada um pareceu desabrochar revelando os botões mais reservados. Havia uma marcação de juventude no encontro, algumas sensações que emolduram percepções distantes e intensas.

Quase perfeito. Um homem, ligeiramente embriagado, caminhou em direção à mesa sorridente. Bárbara não se deu conta da aproximação até ser abraçada com intimidade pelo desconhecido.

“Bárbara! Quanto tempo!”

Ela olhou para o homem constrangida sem conseguir reconhecer traço algum. Como ele sabia seu nome? Que tempo?

“Mulher maravilhosa! Bárbara! Só poderia ser Bárbara... Canta e encanta como ninguém. Tenho no carro o cd com aquela dedicatória carinhosa. Que momento especial.”

Com os olhos arregalados, Bárbara tentou se desprender daquele tropeção insólito com a cumplicidade de Fernando, mas ele parecia tão assustado quanto ela.

“Nunca vou esquecer aquele dia na sua casa. Que dia gostoso! Pena que nos perdemos...”

Dia gostoso era demais. A situação estava completamente fora do controle. A atenção dos freqüentadores do barzinho convergia para aquele encontro surrealista e ela não conseguia controlar seu constrangimento. Como? Quando? Será? Em casa? Dia gostoso? Como?

Bárbara já nem conseguia olhar para Fernando. Como explicar? Pensou em se levantar e pedir discretamente para o homem “deixar quieto”, explicar que o que passou, passou... Mas não conseguia se manifestar. Por alguns momentos, reprocessou todos os acontecimentos dos últimos anos em sua casa, até se lembrar de uma festa de aniversário coletiva que contou com a presença de mais de cem pessoas entre amigos e amigos de amigos.

Só poderia ser... E era.

Esclarecido o encontro e a presença do homem na casa dela, o desconhecido se despediu com a promessa de não se perderem mais e ainda com novos e exagerados elogios. Mesmo com o deslinde do caso, Bárbara e Fernando permaneceram em silêncio durante alguns instantes. Ainda embaraçados e sob o olhar atento do desconhecido sentado no balcão do bar, começaram a conversar sobre assuntos cotidianos. Ela tentava esconder os resquícios de constrangimento enquanto ele se concentrava no assunto interrompido.

Quando se despediram com a possibilidade de irem ao cinema no dia seguinte, ele não resistiu e falou baixinho: “Eu estava quase perguntando se foi bom para você também...”


Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 05/02/2007


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