EXÍLIOS
Expatriada dos primaveris sonhos, a vida desliza nos roteiros presentes. A foz permanece no rio como uma certeza da existência, mas sem as dúvidas das primeiras experiências. Renovam-se as perspectivas, os anos, as paixões com a consumação do pretérito verbo. Criam-se as aparências dos novos córregos e o anseio pelas originais navegações e desfazem-se as linhas rasuradas de tentativas.
Abre-se o olhar amadurecido para a realidade. Grande parte das experiências está sedimentada na memória como um portal que só pode ser transposto com o cerzimento dos bordados concluídos ou não na colcha de vivências. Solidão, vertigem de si, amor, abismo de nós, rupturas, extremos dos outros... Tantos sentimentos transpassam o corpo e permanecem entranhados no pensamento como exílios constantes do íntimo desmascarados no riso, na aflição da face, no arrepio da alma, nas travessias abortadas na escolha de novos rumos... Tantos exílios percebidos na constância da vida, acalentados nas nostálgicas recordações da infância, da maturidade, dos primeiros gostos, dos últimos desfechos. As lembranças se mantêm no cerne do fruto cotidiano como o cálice após a degustação com os resquícios do gosto aveludado dos tintos vinhos e as fissuras dos lábios ressecados de vésperas. Maculá-las é violar a cortiça deflorada e sorver o vinho avinagrado, amargurar-se com a impossibilidade de sentir os gostos nos castanhos idos, pois o tempo não conserva as virginais sensações. Cerram-se os lábios no grito aprisionado. No exílio da linguagem, as palavras vagam degredadas com a intenção interdita de reviver o que marcou e se mascaram nas orações reconstruídas no desejo contínuo de retornar aos solos partidos.
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 02/01/2007
Alterado em 02/01/2007 |