Colcha de Retalhos

"O homem é um deus quando sonha e não passa de um mendigo quando pensa." Holderlin

Textos

CINEMA POLÍTICO – ARTE OU PROPAGANDA?

O título me chama a atenção. Sou Cuba. Co-produção soviética e cubana, roteiro do poeta russo Eugeny Yevtushenko e do cubano Enrique Piñeda Barnet, com direção de Michail Kalatazov.
As primeiras imagens da geografia cubana, os movimentos da natureza arrepiando a orla quase virgem. Uma densa música dá vida ao vento desenhado nas superfícies. Os créditos em russo do filme de 1964 marcam a aproximação das ideologias. Sou Cuba. Quatro pequenas histórias, algumas contemporâneas e universais, e a vitória dos revolucionários. “Morrer pela pátria é viver”.
Filme de contrastes. A miséria na periferia de um povo entregue aos colonizadores e os luxuosos hotéis e bordéis, o desfrute dos ricos estrangeiros e as almas esvaziadas dos que se vendem como pratos prontos para consumo. Uma crítica à pobreza imposta pelo regime de Fulgêncio Batista, filmada cinco anos após a revolução.
O músico canta em castelhano, mas imita os cantores americanos da época. Nas costas, ostenta uma máscara, talvez a primeira pista para desvendarmos os intrincados caminhos dos países latino-americanos. O padrão estabelecido corrompendo a cultura local com a prática de alegorias dominantes.
Prostituição. A primeira história trata do tema universal e atemporal. A mulher fragmentada entre os sonhos de casar com um vestido branco na igreja com um humilde fruteiro e a prostituta que vende o corpo para se sustentar numa favela. O confronto dos dois mundos e a perda da alma. Maria ou Beth? Quem sobreviveu? O símbolo – um crucifixo – é vendido ao norte-americano com cara de entediado. Sou Cuba. Os primeiros versos começam a desnudar a alma do povo miserável e o descaso de quem sempre foi indiferente.
Terra. A segunda é uma envolvente narrativa, quase sem diálogos, em que a vida do agricultor é mostrada como as raízes da terra que cultiva. A relação de amor e necessidade, os filhos, a ignorância, a solidão... A marcação do tempo surge na colheita e na ampla extensão da lavoura. O homem trabalha com os dois filhos quando é informado que as terras foram vendidas à Fruit Company. Não tem mais colheita, sua casa já não lhe pertence. Resta-lhe o suor e os sulcos em sua face sofrida... O agricultor continua a cortar a cana, atordoado com o que não pode modificar, manda os filhos para a cidade e põe fogo em tudo. Morre nas cinzas do que poderia ter ficado como história. Perde-se a memória de uma vida entregue ao solo. Sou Cuba. O quanto da vegetação não é alimentado pelo sangue...
Movimento estudantil. A divulgação da falsa morte de Fidel e a presença arrogante dos marinheiros norte-americanos em confronto com os ideais dos jovens na luta por uma sociedade mais justa. A terceira história é a indignação dos estudantes cubanos diante da perceptiva visão do contexto político, a paixão de alguns atos, o represamento de reações, o desencadeamento de um movimento com forte repressão policial. A morte e o nascimento do herói. Sou Cuba. Palavras de José Martí sustentam a grandeza da luta.
Serra Maestra. O desfecho não poderia ser em outro lugar. Progressiva, a história se desenvolve no engajamento dos guerrilheiros e na construção do sentido de pertinência e de dignidade na arma empunhada pelo homem que antes sustentava a enxada.
Comemoramos o final da película, embriagados pela beleza das imagens obtidas pela câmara acrobática e pelos vários planos sem corte, costuradas com o poema transformado em narrativa. Viva a dignidade! Viva a esperança!
Sou Cuba foi considerado um filme de propaganda soviética durante muitos anos e não foi distribuído em muitos países ocidentais. Atualmente, com o distanciamento do tempo e uma interpretação crítica da história, o filme é considerado uma obra-prima que retrata de forma universal as misérias humanas impostas pelas diversas ditaduras, a necessidade de conservar a esperança como um bem nacional a ser honrado por todos e o contexto histórico que originou a revolução cubana.
Propaganda política? Não é fácil definir qual filme histórico sobre uma revolução não propagaria as relações dos povos com os respectivos governos, as realidades e os sonhos... O olhar sensível de seus criadores proporcionou um marco no cinema com um belíssimo testemunho histórico.
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 09/07/2005


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