SABOR DE RETICÊNCIAS
Ambos dominavam as palavras. O encontro poderia ter sido trivial, mas os enamorados buscavam razões para amadurecem os sentimentos preconcebidos num enredo realizável. Seria difícil definir até que ponto a narrativa não estava maculada pelas próprias carências ou seria pautada pelo medo em períodos curtos com adjetivações controladas. Duas folhas em branco. À margem, alguma rasura apagava as idealizações escritas nos capítulos anteriores. A narrativa poderia ter iniciado com uma indagação. Será? Mas a continuidade seria uma resposta, a necessidade de articular com o senso comum na elaboração dos sentimentos. Seria mais fácil um talvez, pois a afirmação precipitada poderia ser um alerta e a negação um aborto irresponsável. Novamente duas folhas em branco. A história poderia começar com uma exclamação. Encantamento! Encontro! Paixão! Gritar e buscar os ecos das expectativas já que as palavras desenhavam as emoções no corpo com intensidade e, na memória, a lembrança de algum sussurro. Os amantes tentaram verbalizar o brado dos instintos, mas não encontraram palavras que traduzissem os sentidos. A pontuação pareceu limitar a possibilidade de vir a ter outro significado, censurar um riso incontido concebendo uma percepção extemporânea de um momento... Ainda folhas em branco. Os corpos, entregues ao gozo, adormecem. O casal abraçado é o desenho da noite, da lua, das estrelas... Um estranho verso que surge num cochilo sem sonhos e se conjuga a um universo sem porquês... São indagações, exclamações, muitas crenças e ainda dúvidas... Metáforas que desabrocham em muitos ecos e silêncios... O início não existe sem reticências, como a nascente de um rio que deságua num oceano distante, como um olhar que encontrará no outro o reflexo de um eu desconhecido, como uma tímida narrativa que surge de duas intenções...
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 08/07/2005
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