Colcha de Retalhos

"O homem é um deus quando sonha e não passa de um mendigo quando pensa." Holderlin

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SONHOS SUSPENSOS


Noites entrecortadas com a mesma sensação pretérita: o medo de ter perdido a prova. A mulher acorda assustada e, mesmo depois de perceber que a oportunidade já foi perdida pelas circunstâncias, fica tensa com a perturbação recorrente da experiência suspensa.

Depois da primeira década, desistiu de contar os anos desde a interrupção do seu curso universitário. A suspensão foi a única possibilidade para prolongar as expectativas geradas. Ela realmente acreditou que iria voltar, compensar o tempo perdido, mas a vida ganhou novas necessidades e caminhos. O novo emprego não exigia a qualificação, os colegas de turma se distanciaram, os filhos cresciam sem conhecer os sonhos da mãe, o marido ganhou novas atribuições e responsabilidades...

Os históricos escolares e os papéis com a matrícula trancada perderam a validade e permaneceram na pasta de documentos como o registro de um sonho experimentado. A carteira de estudante continuou na bolsa como uma identificação desatualizada.

Ela não podia reclamar da vida. Tinha uma família organizada, filhos estudiosos, marido dedicado. Sua situação estável permitia até alguns luxos, contudo, apesar de suas conquistas, o inconsciente não renunciou ao direito de cobrar a realização do sonho.

Quem sabe no próximo ano? As inquietações e intenções se diluíam ao amanhecer, mas sempre retornavam suspendendo o sono com o despertar dos sonhos recorrentes.

Ao seu lado, o marido também acorda assustado com o roubo de sua motocicleta na véspera da viagem. Alguns instantes de espanto até perceber que o veículo foi dado como sinal na compra do apartamento há quinze anos e que a viagem até o nordeste, idealizada na juventude, foi definitivamente cancelada depois de tantos adiamentos. O nascimento dos filhos, o orçamento apertado, as novas funções... Quem sabe um pacote turístico para a família em Porto Seguro?

Mesmo com a existência de outros projetos, a travessia de motocicleta continuou projetada nos sonhos. Uma aspiração que adormeceu na sucessão de dias, mas não se conciliou com os rumos assumidos.

Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 11/12/2006


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