Colcha de Retalhos

"O homem é um deus quando sonha e não passa de um mendigo quando pensa." Holderlin

Textos

IMAGENS ESCALDANTES

Grandes encontros, cumprimentos efusivos, desfiles e pronunciamentos afinados... Pequenos detalhes que observamos na sociedade do espetáculo. A imagem invade os lares com os perfis sorridentes e reportagens sincronizadas com as representações. Símbolos de possíveis uniões reluzem nos horizontes midiáticos.
No mesmo jornal, homens ateiam fogo no corpo, extintores tentam esfriar os ânimos, relações diplomáticas que se prolongam em protocolos, inimigos da paz, grandes mediadores mundiais, homens “bomba”, autoridades... Imagens que provocam dor e medo, representações que nos encarceram nas amenidades dos sorrisos forçados e discursos amistosos e nos convencem com a necessidade de posturas convenientes e bem comportadas de nossos representantes.
Representantes? Não serão ainda representações? Aparências do que gostaríamos ou não de aparentar?
Um novo país de traço maniqueísta: empregados competentes e desempregados inábeis, latifundiários e sem terras, políticos radicais e “moderados”, investidores e endividados, ativos e inativos... Escrevem-se novos textos na liberalidade dos mercados.
Palavras impressionantes e imagens editadas constróem os ajustados diálogos. Somos obrigados a nos adaptar ao ato representado como espectadores e figurantes ativos e inativos. O diretor afirma que os ausentes designados sobrecarregam os presentes. O trabalho é oprimido pela inatividade. Os direitos são travestidos em privilégios, reformas dão novas marcações aos trabalhadores. Os primeiros conflitos surgem...
Emoções desmedidas, palavras manipuladas e máscaras... Corpos e sombras... Imagens!
Uma voz sussurra em cada ouvido alertando sobre os antagonismos. Alguns atores perdem a identidade e assumem os papéis impostos, deixam-se iludir pelas imagens espelhadas. Outros se perdem no palco com falas incoerentes que não sensibilizam e são penalizados com a obrigação de assistir ao espetáculo angustiante de suas derrotas.
A imagem é onipresente. Interpretamos, assistimos, acreditamos e sangramos os desencantos... Homens ateiam fogo no corpo, outros se confraternizam em encontros calorosos...
As imagens, as palavras... Os representantes se encontram. A união improvável surge entre sorrisos e cumprimentos, manifestações de admiração e promessas. São os vencedores, os protagonistas que podem fechar os olhos por instantes e descansar nos esclarecidos bastidores.
Ainda existem boas intenções no espetacular cenário? Como cobrar a continuidade de um ato anterior? Buscar a coerência com os discursos inflamados e convincentes? Nossos representantes incorporam o governo do personagem quando consentidos nos poderosos bastidores.
Armam-se os arraiais. Balões de São João sobem aos céus. Imagens coloridas de festividades e perigos que dispersam nossa atenção. Quentes representações rasgam as frias nuvens e desabam em horizontes distantes. Talvez inspirações de novas reproduções e palavras.
E nós... Os líderes entoam bordões entre radicais e moderados: ameaçam e prometem. Novamente os sorrisos, os cumprimentos, trocas de afago invadem nossa comprometida percepção. Homens incendeiam os homens nos infernos encenados. Sempre o outro...
Homens ainda ateiam fogo no próprio corpo...

                                                                                     junho 2003
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 25/06/2005


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