Colcha de Retalhos

"O homem é um deus quando sonha e não passa de um mendigo quando pensa." Holderlin

Textos

UM NÓ A SER DESATADO

A expressão ganha destaque quando exposta para a opinião pública, afinal, os nós antecedem as percepções apuradas. Todos sabem o que representam e a dificuldade em transformá-los em amarras sustentáveis. As representações se aprofundam instintivamente na primeira inserção no corpo do homem no mundo - o corte e a amarra do cordão umbilical - e se encerram em sua última aparição marcada por um coroa arrematada de flores e os nós burocráticos decorrentes da morte e os sentimentais construídos com a ausência e a dor.
Nós bordôs de gravatas, cadarços dos falsos passos, palavras disparadas em discursos inflamados, linhas de gráficos pedidas em abstratos números, não discernimento, truques retóricos... Nós de todos os tipos numa cesta básica de ações e reações. Os movimentos se entrelaçam, tentam fortalecer os apoios possíveis. Todos tentam se unir num novelo reforçado, compor mais emendas para os retalhos. Mas... Um nó mais apertado e eis o cadafalso...
Um homem tropeça no meio-fio, cai no meio da rua, pega sua maleta, levanta discretamente e sai mancando. Tenta disfarçar seu descuido e vulnerabilidade, ajeitando o nó da gravata listrada. Outro caminha a passos largos, dá voltas no quarteirão para não chegar em casa, tenta se distrair nos novelos possíveis até que a novela das oito o transporte para outros conflitos. Suas dívidas deixaram de existir no tempo em que estiver preocupado com o imbróglio que envolve o triângulo amoroso. A mocinha e suas inquietações: nós fictícios que sustentam ilusões.
Embaraços, intrigas... Pequenos motivos para a formação dos grandes nós cegos. Grandes empecilhos! Enredos sem continuidade!
A multidão cruza com a frágil mulher que chora com as mãos no ventre. O cordão umbilical enrolou e sufocou a expectativa. Um nó oculto em suas entranhas, imperceptível aos instintos maternos, mas uma sólida amarra no sentimento de culpa e desamparo... Um nó de impotência a recriar um novelo de ambigüidades.
Os nós a serem desatados, retalhos que foram costurados com linhas viciadas. Reformas tentam cerzir os losangos para enquadrar as vestes dos personagens nos cenários possíveis, discursos contraditórios, acordos alinhavados nos bastidores, políticos que se casam com os bordados mais reluzentes.
Protestos se enrolam com as notícias veiculadas, os juros prendem possíveis alegorias, os assalariados tentam reconstruir seus orçamentos com agulhas reduzidas, desempregados tecem suas necessidades com eventuais atitudes caridosas. Aumentam os furos, os reajustes, as contradições...
Amarras cegam os olhos e calam o desabafo. O que fazer no escuro de um silêncio?
Palavras são costuradas no pensamento e alfinetam a percepção. O grande nó a ser desatado está entranhado na indignação e no desencanto. Um nó na garganta, um nó no peito...
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 24/06/2005


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