AMOR SEM PRELIMINARES
Conheci o amor de repente. Sem prelúdio. Um olhar e uma voz, som e luz... As palavras se perdiam em cavernas primitivas. O som ecoava dando sentido à dança das sombras iluminadas com a vivacidade dos grandes olhos solares. Um big bang explodiu no universo de vivências e deu vida às formas desérticas com a intensidade que nunca poderia se repetir ou explicar.
Aprendi a fazer fogo no susto. A explosão das formas quentes, aquecendo o corpo com as faíscas e trazendo ao cerne a experiência da própria fogueira. Corpo entrelaçado no calor do outro, esquecido das ermas noites frias, num continente desabitado com apenas dois seres luminares, sem histórias ou projetos, e o desejo de ser no outro a humanidade. Descobri as estrelas no céu que conduziam os sonhos e deixavam um rastro de realidade quando adormeciam ao amanhecer. No começo, não compreendi o alvo manto matinal que acobertava os astros e desejei sonhar os dias com os brilhos anoitecidos com medo de perder o encantamento das fantasias. Até encontrar no olhar do amante a possibilidade de ser o brilho e deixar o sol testemunhar o olhar, a voz, o fogo, e imaginar as fugidias estrelas. Senti medo de morrer no outro. Temi a extinção, o esquecimento, a redescoberta na distância de uma lembrança arqueológica. Sangrei, chorei, vivi os ciclos intensos das eras. Criei uma religião inspirada nas forças da natureza e ergui um altar para louvar a imortalidade do amor. Ajoelhei ao lado do corpo adorado, tornei-me discípula e deusa e devotei os instantes aquecidos à fé inabalável na imortalidade do amor. Vivi intensamente as descobertas e os estranhamentos das trevas às primeiras fogueiras, das imagens rupestres gravadas nas superfícies corporais às primeiras declarações manuscritas à luz de velas, dos passos conjugados na iluminação amarelada dos becos tardios aos holofotes do mundo civilizado... Vivi o tempo dos mitos, das fúrias, das odisséias... Testemunhei o desespero de Ofélia ao se lançar no rio e outros tantos desatinos, mas permaneci no tempo arraigada à permanência do homem amado, nas promessas, nas feridas, nos risos e nas reconciliações. Concebi na alma a certeza do ventre. O embrião cresceu sentimento e se transformou em personalidade. Fui amor com a verdade de perseverar na essência do que me faz mulher. Amo sem preliminares numa renovada apresentação que realça os dias e não me deixa desvencilhar da origem da vida...
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 21/10/2006
Alterado em 23/10/2006 |