SACERDOTISAS DE BACO
Chegou atrasado. Olhou ao redor e não reconheceu ninguém. Discretamente, acomodou-se numa cadeira perto da porta de entrada e avaliou as primeiras impressões do encontro. Assinalou a pauta na agenda: “Saúde na terceira idade”. Mulheres bem produzidas. O auditório estava preenchido pelo vasto universo feminino. Nosso personagem sentiu um certo constrangimento, mas como jornalista entregou-se a análise do encontro. Chamou sua atenção o domínio das mulheres no campo da gerontologia. Talvez o primeiro tópico do artigo. “Não podemos mostrar tudo... Quase tudo! Quase tudo!” As palavras da palestrante ecoavam em seus pensamentos. Ele não acompanhou a abertura do encontro, mas a fala parecia eivada de ambigüidade e assumia um tom malicioso no discurso da mulher extremamente maquiada e penteada. Ela, com desenvoltura, percorria o palco sobre os dez centímetros de salto, mostrando parte das pernas bem torneadas. Talvez mostrar quase tudo... As mulheres presentes estavam envolvidas e deixavam transparecer em sorrisos as interpretações picantes, cruzavam as pernas como reflexos inconscientes da extensão da fala da palestrante... “Não podemos esquecer o ambiente. Sensualidade! Muita sensualidade! Devemos contextualizar nossos argumentos com erotismo. Em cada nova peça mostrar a atração exercida no outro...” Atração... Sensualidade... Outro... As pernas e mãos tremiam. O homem deitou a caneta na agenda para não demonstrar seu desconforto e tentou reorganizar as idéias. O que pretendiam com a terceira idade? Seria uma inovação terapêutica? Distante, uma mulher de aproximadamente quarenta anos o observava. Parecia um flerte, mas a conclusão poderia estar influenciada pela sugestão da sensualidade. A insinuação de um encontro. Seus olhos bem marcados desenhavam as intenções, quase todas... Por fim a feição da mulher assumiu uma simulada timidez, e ela desviou o olhar. O homem cruzou e descruzou as pernas, mexeu no cabelo, ancorou as mãos nas coxas... A agenda caiu e chamou a atenção para sua agitação. O embaraçado de não estar no controle da situação... “Apelos eróticos... Não podemos esquecer do que está na moda... Dança do ventre funciona! Noções básicas, leves demonstrações...” Dança do ventre? O homem pensou estar no meio de um grupo enlouquecido de bacantes. Quem sabe uma seita... Mulheres embriagadas com a primavera e dispostas a fartarem-se com os corpos amadurecidos. Terceira idade, ambiente sensual, dança do ventre, quase tudo... O homem atordoado acompanhou o encerramento da palestra com os agradecimentos a um nome conhecido. O que seria? O patrocinador? Aproximou-se do palco, com a agenda nas mãos ancorando um certo nervosismo, e procurou a indutora daquele ritual perverso para tentar encontrar ainda algum gancho que justificasse uma nota no boletim oficial da Secretaria de Saúde. “É representante?” O homem ficou sem ação diante da pergunta direta da mulher. Será que sabia que ele estava encarregado de noticiar o evento? Quanta inversão! Ele tinha de entrevistá-la e estava refém das três lições básicas que não conseguia decifrar. “Revendedor?” Sem responder, foi surpreendido com uma enigmática pergunta? O que revenderia? Seria algo ligado à palavra que não era estranha e que pertencia aos apelos midiáticos? Talvez um patrocinador, uma parceria... Identificou-se como jornalista. Diante da surpresa da mulher, perguntou se a Secretaria não avisara de sua presença... “Secretaria? Que Secretaria?” Ainda cruzaram algumas perguntas até perceberem que ele havia entrado no salão errado. Era a reunião semestral de revendedoras de lingerie. Saiu sem graça e sem assunto, mas com um encontro marcado... As três lições básicas serviram para o jornalista ampliar seus horizontes. (Texto inspirado no relato do jornalista Casemiro Linarth)
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 28/01/2005
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