A DELICADEZA DE UMA CHAMA
"O homem é um deus quando sonha e não passa de um mendigo quando pensa".
Hölderlin A mulher acorda no meio da noite. Tem sonhos agitados, desperta no medo com um grito abafado, sente-se em espiral... Os pensamentos dominam sua lucidez e transformam algumas inquietações em tempestades bravias e sem fim. Espirais... A poesia de Hölderlin, a insônia do protagonista de “Os Ratos” de Dionélio Machado, tudo venta suas Retalhos de algumas leituras procuram escrever em seu corpo as possíveis interpretações. Sente a respiração do companheiro. Ele sonha ao lado... Suavemente, muda de posição, aproxima-se, busca o corpo da mulher e repousa a mão em seu ventre... Ela percorre sua curvas, descansa em seus olhos fechados... Em gestos silenciosos, aproxima-se dos ombros nus, descobertos no leve lençol, da boca serena... Desvenda os traços livres de inquietações na serenidade do amante adormecido... Tenta em vão penetrar em suas fantasias, busca revelar a alma nos retiros oníricos. Espiral... O pensamento permanece confuso, aprofunda-se, eleva-se na construção elíptica. As vivências são desenhadas na escuridão e percorrem os cantos com restos de brilhos... Ao lado do homem, uma suave luz trepida na parede, quase imperceptível, quase tímida, ela ilumina os suaves sonhos, queima algum infortúnio... A mulher caminha de encontro à luz. Encontra uma vela rósea ancorada numa declaração de amor. O homem, no silêncio do sono, gritou ao mundo a luz de um sentimento. Deixou a vela acesa para acalantar a amada com a suavidade de um verso durante a tempestade de um pensamento. Observa o corpo do homem estendido na cama, seus gestos adormecidos, sua feição enluarada... Deita-se novamente, projeta as tantas sensações vividas... O sentimento percorre cada contração com os toques do companheiro, os acordes das suaves declarações recriam a cantiga, a tensão de um olhar obscuro fecha-se entre as pálpebras sonolentas... O pensamento aos poucos assume tons pastéis, deixa-se iluminar pela delicadeza da chama. Adormece na continuidade do sonho...
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 18/06/2005
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