RABISCO DE UM DESENCANTO
Jogou-se na cama. O corpo inerte era um retrato de seu desânimo. Faltavam argumentos para tecer seu pensamento, tentar entender a continuidade do diálogo que havia encerrado.
Tudo certo! Reserva no restaurante preferido, talvez um cinema, e mais uma noite romântica se consumaria nos corpos entrelaçados e nas mútuas juras de amor. Mas... De repente, ela telefona, diz que não irá e que não pode continuar... “Como continuar? Ela desmarca um compromisso momentos antes e ainda afirma que não pode continuar... Continuar o quê? A relação de tantos anos? A necessidade de assumir algo mais sério?” “Imaginei que ela seria a mãe dos meus filhos e não a responsável pelo aborto de nossa relação. Ainda mais de forma tão precipitada e por telefone. As palavras continuam covardes. Ela não me ouviu.” O homem se contrai em culpa. Deitado, tenta lembrar de alguma razão que justifique a brusca interrupção, mas não consegue esquecer as promessas de amor eterno. Tateia as sombras, ouve a voz dela a repetir tantos planos, sente as suaves mãos a acariciar seu corpo. Demorou a anoitecer. Com a escuridão, as primeiras mágoas brilharam no céu de suas lembranças. Havia desencontros, havia muitas divergências... Contudo, existia amor... Ele continuou deitado em lembranças. Os olhos, marejados, gritavam sua dor, sua solidão. “Não irei hoje... Não posso continuar...” “Como? O que diz com continuar? Quer terminar? “Não posso continuar. Não me sinto feliz com nossas brigas...” “Por que...? “Depois te ligo...” O telefone ficou ao lado da cama. Calado. Ela não ligou. Encontrou apenas uma forma de encerrar a conversa sem tantos porquês nas reticências posteriores. Talvez ela chamasse em alguns dias quando mudasse de idéia, mas por enquanto o porquê era silêncio. Não seria a primeira vez... Houve uma separação anterior, um reencontro, novas juras de amor, olhares compreensivos e planos para o futuro. O arrependimento marcou a reconciliação e se transformou em prazer e alegria. Por que não aceitar? Não seria a primeira vez... A reincidência era mais dolorosa. Não era um ato impulsivo, era uma repetição. A súbita percepção do medo de perder, próprio de quem ama, desfez a fresta de esperança do homem. Ela não poderia amá-lo e deixá-lo livre para encerrar a relação. Não poderia conjugar a relação como uma vivência descontinuada se ainda estivesse apaixonada. O resto da noite foi entregue à escuridão dos desencontros, aos sombrios sentimentos de ressentimento. Talvez se não tivesse com tanta expectativa... Talvez fosse um desentendimento... Ou apenas uma fraqueza... Talvez... “Não irei hoje... Não posso continuar...” “Depois te ligo...” A longa noite em claro seria mais uma cicatriz. Não havia reparo para a esperança perdida, a descrença no amor do outro, o descaso, a ausência de despedida... A longa noite seria a possibilidade de desnudar um luar sozinho, de construir um novo céu estrelado... Por quê? Tímidas luzes invadiram o quarto. Amanhecia. No parapeito da janela, o homem secou algumas lágrimas e observou o movimento na rua. Tantas pessoas sozinhas, algumas com olhares compartilhados, outras presas aos próprios passos... Tantos encontros e desencontros marcavam os meios-fios cotidianos e os figurantes insistiam em caminhar sem perceber a profundidade do enredo. O homem deitou. Amanhã tentaria de novo: abriria as janelas, talvez uma porta... Quem sabe não poderia guardar o sentimento mofado num baú de lembranças e continuar procurando a realização de seus ideais com esperança e força...
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 14/06/2005
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