O HOMEM E AS MÁSCARAS
Uma grande máscara seqüestra minha atenção. A legenda se perde na intensidade da representação. Distante das veladas intenções, não consigo decifrar os enigmas de uma trama recorrente que não se desenvolve. O homem apropria-se de sucessivas máscaras e já não se constrange com os diferentes personagens. Será que guarda na face os traços inaugurais de suas intenções? Será que mantém a espontaneidade do olhar distante do mundo cênico?
Mudam as feições, manipulam as expressões que marcam a participação dos intérpretes, mas as impressões digitais que sustentam os disfarces trazem a lume as contradições da realidade, os desencantos e as ilusões... Lembro-me dos inúmeros capítulos dedicados às máscaras no livro Manual Mínimo do Ator de Dario Fo e sinto a veracidade de sua afirmação: “Em um primeiro momento, o uso da máscara provoca um certo incômodo, mas depois – é incrível, para mim há algo de milagroso no fato – consegue-se ver e agir com mais desenvoltura do que estando com o rosto completamente livre.” Resta a angústia de retirar a máscara e não reconhecer o próprio rosto, cicatrizar no presente a sensação de que parte de si ficou grudada à representação e que perdeu o sentido na solidão de um pensamento. Resta a inquietação de não distinguir a realidade das representações do espetáculo e esperar que num próximo ato alguma máscara decifre a coerência de um presente mais semelhante com o que foi divulgado no passado. Uma nova notícia manipula as errantes emoções. Um misterioso pianista surge do nada, sem qualquer etiqueta ou documento, sem fala e aparentemente assustado com uma pequena criança... Abrigado num hospital psiquiátrico não se comunica em nenhum idioma. Só a música preenche o desconhecido de confiança e fascina as pessoas próximas que se assustam com o vasto repertório. As cortinas se fecham após a pequena apresentação e resta um enredo a ser desvendado... Uma crise nervosa de um músico sem máscaras num mundo de representações? Um novo Kaspar Hauser? Ou um ousado golpe publicitário? Máscaras... Novamente recorro aos ensinamentos de Dario Fo e compreendo as implicações do uso continuado do disfarce e suas restrições: “A máscara impõe uma condição especial: não se deve tocá-la. Já vestida sobre o rosto, assim que é tocada, desaparece. A máscara parece contaminada, torna-se um acessório repulsivo. A mão sobre a máscara é um ato deletério, insuportável.” O uso da primeira máscara repleta de digitais está condenado. O personagem não surpreende. O espetáculo se perde num desgastado texto. O elenco ainda está marcado com as alegorias de manifestações que destoam das mais exigentes apresentações oficiais. A segunda, talvez uma ausência, uma fisionomia assustada quase selvagem, prende a atenção na universalidade da música e na fragilidade da razão humana que se dissipa de repente refletida em cada um dos espectadores.
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 13/06/2005
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