A ÁRVORE DAS PALAVRAS – TEOLINDA GERSÃO
As palavras são semeadas no quintal, criam raízes e alcançam Moçambique no período colonial. Reflexos dos ventres buscam alimentos nos seios fartos e se transformam em galhos, frutas, folhas, tronco... Na primeira parte do romance A árvore das palavras de Teolinda Gersão, Gita faz confidências a uma árvore sobre sua família. Intercala a realidade com as fantasias primaveris e cria o reino imaginário da casa preta onde pode inverter a ordem e dar luz aos sonhos. Com as percepções da menina, desnudam-se o distanciamento da mãe Amélia, a proximidade cúmplice do pai Laureano e o afeto pela ama negra Lóia. Todos os descobrimentos ocorrem longe do olhar amargo da mãe, mulher que saiu de Lisboa por um anúncio de jornal e que, afastada dos solos compatíveis com seus ideais, vive sem criar raízes, como um vento a sonhar com a vida das mulheres da sociedade, como um espectro debruçado sobre uma metafórica máquina de costura, como um tecido que não consegue ganhar corpo... Gita percebe a mágoa entre os pais, sente raiva do rancor da mãe e de suas atitudes sempre tão desagradáveis, mas não compreende os motivos da mulher quase desconhecida. Vive com Laureano e os vizinhos suas aventuras e busca o afeto materno em Lóia. A segunda parte é reveladora. A vida de Amélia é desembainhada e percebemos as sucessivas frustrações que alicerçam a vida da mulher que não encontrou o amor, a posição social ou a realização como mãe. Viver sobre os saltos altos nos caminhos possíveis, talvez um novo anúncio de jornal... Na terceira parte, Gita torna-se mulher. Junta as fotografias e os recortes de jornais deixados por Amélia e recria a imagem da mãe. Laureano envelhece “sem asas” aos cuidados da namoradeira e desleixada Rosário. Os mundos reais e imaginários se fundem, e Gita tem de fazer opções pessoais e políticas. A independência é uma necessidade para ela e para Moçambique. “Ela crescia nos sonhos, digo a Roberto enquanto pintamos o cartaz. A árvore das palavras. Para contornar o seu tronco seriam precisas nove luas. E cada folha era extensa como um vôo de pássaro. Mas de certeza que não só nos meus sonhos: Crescia também nos de toda a gente.” A árvore das palavras não é apenas uma obra literária, é uma obra musical e poética, onde cada voz é percebida como um instrumento em harmonia com os demais. Alguns destoam em busca da liberdade, muitos permanecem presos às partituras, poucos abandonam os sonhos oprimidos pela melodia... O solo da protagonista Gita amadurece e, junto com Laureano, Amélia, Lóia, Rodrigo, Roberto e Rosário, mostra a complexidade de uma orquestra. O romance de Teolinda Gersão comprova a afirmação da iluminada abadessa do século XII, Hildegard von Bingen: “A alma é uma sinfonia”.
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 18/09/2006
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