A linguagem das flores - homenagem a Garcia Lorca
A menina retorna do colégio. O almoço na mesa vazia, o enorme silêncio, ausência de passos... A mudança para o turno da manhã faz com que a menina passe as tardes sem a mãe e o irmão, criando uma nova perspectiva no tempo .
Os primeiros dias são usufruídos na frente da televisão com pipoca e suco de uva, mas uma semana é suficiente para entediá-la. Ela começa a descobrir os cantos da casa. Lê os títulos dos livros no escritório. Do lado esquerdo estão os livros paternos de economia e política e, do direito, os livros de psicologia e sociologia. Percebe as diferenças que marcam seus pais no mundo: pai economista e mãe psicóloga. Consegue cruzar o corredor e chega à sala. A estante tem livros mais coloridos. A menina passeia nos mundos reproduzidos, conhece alguns artistas e abre um novo olhar para as cores e formas. Sente estranheza em alguns desenhos... Tenta imitar outros com sua aquarela... Mais algumas incursões... Descobre as prateleiras de livros pequenos. Folheia e descobre as impressões prazerosas, a fácil leitura dos diálogos. As primeiras interpretações desenvolvem uma rotina prazerosa. Os livros engrandecem seu conhecimento mesmo sem ter a real compreensão do conteúdo. São tantas vivências, metáforas e percepções que a mesma passeia com os olhos, encantada com as páginas de um mundo desconhecido. As palavras abrem feridas e cicatrizam. No futuro, certamente, sangrarão em algum pensamento. A menina cresce, adquire sua biblioteca e começa a escrever... Os refúgios literários se transformaram no grande alicerce de seu pensamento. Lorca, Sartre, Strindberg, Brecht, Genet, Nelson Rodrigues, Dias Gomes... Tantos dramaturgos permanecem entre os autores contemporâneos. Convivem nos argumentos da leitora, imortalizados nas juvenis incursões literárias. Yerma, Dona Rosita, Bernarda Alba, entre tantos, tornaram-se personagens constantes nas fantasias da mulher. Alguns diálogos memorizados para sempre. Entre os noticiários - blecaute americano, prejuízos incalculáveis, reformas e movimentos - está uma nota sobre o dia da morte de Federico Garcia Lorca. A menina de dez anos assume o poder das mãos e exige que seja realizada a homenagem ao grande poeta e dramaturgo, autor do primeiro texto teatral que folheou nos pequenos livros. Dona Rosita permaneceu sempre como um referencial para a construção de seus projetos, e o autor consagrou-se como um dos grandes exemplos de dedicação à arte. A peça Dona Rosita, a solteira foi traduzida por Carlos Drumonnd de Andrade com o título “A linguagem das flores”. Em 19 de agosto de 1936, o poeta e dramaturgo Federico Garcia Lorca foi assassinado durante o regime de Franco, três dias após ter sido preso em Granada. Cerraram sua literatura na intolerância e na irracionalidade humana, negando-lhe o último pedido de se confessar. Ainda não consigo entender o argumento que sustentou tanta brutalidade, mas, como a menina, passeio os olhos pelo mundo, enriquecidos com a imortalidade da obra e do significado do escritor... A morte de Lorca é um silêncio que nunca poderá ser interpretado.
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 11/06/2005
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