REDENÇÃO - TARIQ ALI
“É quase um truísmo que, quando perdem o medo, as pessoas podem operar milagres. Os cidadãos da Romênia haviam feito justamente isso ao quebrar as forças do Estado e derrubar o déspota.”
Tariq Ali escreveu o romance Redenção em 1990 sob a emoção dos acontecimentos da década de 80 que encerraram definitivamente com o ciclo político existente. A execução do ditador Ceausescu, a queda do muro de Berlim, a política de Gorbatchov e o realinhamento dos países na Europa Oriental com forte aproximação das religiões obrigaram os grupos de esquerda a repensarem numa forma factível de resistência. Tariq Ali nos apresenta um romance com personagens históricos e nos lança numa ousada (mordaz) reflexão sobre o marxismo, o sectarismo dos grupos de esquerda e a globalização ainda nas fraldas do regime capitalista. Redenção. Expiar as paixões ideológicas ou buscar a salvação? A cruz suplanta a foice e o martelo em vários países. Símbolos igulamente sangrentos. Histórias marcadas por excessos, por homens... Mas o que fez a Igreja Católica ofuscar os crimes cometidas durante a Inquisição? Por que os desmandos de alguns regimes socialistas não podem ser reformulados e remidos como as religiões? Ezra Einstein, líder trotkista, símbolo do intelectual cosmopolita, desenraízado e livre, reflete sobre o levante popular na Romênia que culminou na execução do ditador stalinista romeno Nicolau Ceausescu e de sua esposa Elena no natal de 1989. O orgulho de Ceausescu fez com que ele se recusasse a pedir misericórdia e a reconhecer a legitimidade do Tribunal Militar que o julgou e condenou. O que aconteceu com a esquerda? Com o marxismo? Antes a Polônia, a Tchecoslováquia e agora a Romênia... Será que o capitalismo enfim venceu, sepultando definitivamente as convicções de tantos socialistas? E o povo, o proletariado...? Por que comemoram a ruptura com o regime que lhes é próprio? Ezra aproveita a leitura rotineira dos jornais Die Zeit, Financial Times e le Monde, e o assunto recorrente nas ruas de Paris, para dedilhar em sua máquina de escrever de 55 anos, a conclamação do Congresso Mundial de Emergência para reagrupar os diversos grupos de esquerda, repensar as teorias e encontrar uma política unida para enfrentar as mudanças na Europa Oriental e na URSS. O congresso reúne personagens mitológicos: a cantora lírica Laura Shaw, discípula de Hood, falecido líder dos arruaceiros; Jed Burroughs, o líder homossexual não assumido; Emma Carpenter, expulsa do PPISTA porque se relacionava com homens fora do socialismo; padre Pedro Rossi, defensor da Teologia da Libertação no Brasil e perseguido por um cardeal reacionário próximo de Wojtyla; o “tarimbado maçom” Pelletier... Renard, militante nonagenário, tem um papel decisivo na votação, protagoniza a exumação de Trotsky e dos seus segredos, porém morre durante o congresso. Em seu velório é revelada a “identidade” dos sobreviventes num constraste definitivo com as vidas dedicadas à causa socialista. O Congresso encerra com a proposta herética de Ezra aprovada por um voto de diferença. Porém a proposição contrária, a fundação de uma nova religião, síntese do Islã, do cristianismo e do trotskismo, crislãmaçonismo, com a criação de rituais, livro sagrado, evangelistas e mártires, ganha força nos grupos dissidentes. O último capítulo “Conversas com Ho, que vai ter 10 anos em 2000” é fantástico e revelador. O sonho de Ezra durante a redação de suas percepções e as justificativas para seu engajamento e resistência para a filha recém-nascida Ho Einstein, nome chinês dado pela mãe brasileira Maya, é a união possível, idealizada no semiconsciente do intelectual. “- Camaradas, falem comigo. Tudo se desmanchou no ar? Nós perdemos, mas e o materialismo histórico? Isso não pode ser perdido, pode? Será que a religião vai reestabelecer suas garras pegajosas? Será que o progresso morreu?” Um final apoteótico. No sonho, Ezra se encontra com Karl Marx, vestido de Zeus, kautsky, Lenin, Rosa de Luxemburgo, Trotsky e o recém-falecido Renard e todos contruibuem com a análise sobre o quadro contido na pergunta de Ezra. “Mas tudo isso é tirado diretamente da Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, de Marx.” O romance encerra com a transcrição dos versos de Goethe: “Reconstrua,/Criança grande da terra,/Reconstrua/Com um capricho maior,/Em seu próprio seio reconstrua bem alto!/Pegue sua vida uma vez mais:/Aposte na raça de novo!” e com um metafórico apagar das luzes. Escuridão...
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 12/09/2006
Alterado em 12/09/2006 |