Colcha de Retalhos

"O homem é um deus quando sonha e não passa de um mendigo quando pensa." Holderlin

Textos

VIGÍLIA

Acordo de repente.
Sinto como se a noite tivesse abruptamente me despertado. Tudo é obscuro, sinto a perplexidade de me confrontar com meus interditos. Proibições acendem em minha mente, como velas iluminando o caminho, enquanto as impossibilidades são ressaltadas no tatear da madrugada.
Breu... extensão do corpo em perspectiva.
Sinto-me atenta a todos os meus detalhes, posso me ver com nitidez... Observo-me em contraste com a cegueira que me impõe o negro véu da noite. Minhas percepções invadem o limite de minhas realizações, tornando-me na insatisfação de uma tempestade - relâmpagos e trovões - cortando o céu de minha consciência. Enxurradas de ilusões...
Sou o desejo primitivo da mulher. Completa sou o corpo que queima em suas pulsões, entrega-se e adormece na violência de um orgasmo. Desperto na solidão de ser absoluta e finita – apenas um corpo numa multifacetada alma.
O presente queima minhas recordações. Fantasias incandescentes se perdem na escuridão. Agonizam este instante com emoções alinhavadas, retalhos encontrados no esquecimento. Desperta, no meio da noite, sinto-me apenas um fragmento a lamentar um todo partido.
Aprofundo em minha angústia... Sou um ser em busca... Sou a precariedade do meu Eu.
Diários de tormentas se sobrepõem no meu plano... Domino o medo de meu desconhecido... Diante do outro, sobrevivo...
Tento resgatar o passado. Lembro de encontros perdidos, compreendo o amor que senti na sombra de um sorriso, contudo não desejo... A paixão tornou-se opaca, meu olhar sem sentido... Guardo minhas lembranças emolduradas na parede do esquecimento.
Exposição de um múltiplo e pretérito eu... Estreita existência, vitrine de espelhos diversos. Imagens que já não me refletem. São outros... Interditos íntimos, privações ressaltadas na impossibilidade de ressurreição das inspirações.
Retalhos insones aquecem meu corpo nu...
A noite entregue às inconstâncias. Mar revolto perde suas ondas na praia... Espuma encontra abrigo na solidão da areia...
Deixo os ventos instigarem minhas velas, meu barquinho atraca à margem do cotidiano. Meu ser se identifica em sombras. O dia-a-dia segura o leme, mas não é suficiente.
Uma noite de vigília é bastante para mudar o rumo...Liberto-me das âncoras.
Recomeços...precárias esperanças...
Transformo-me numa autêntica desconhecida. Desvirgino meus interditos, sou a outra... Não há hímen atestando minhas vedações...Tenho receio de mim...
Vivo.
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 24/01/2005


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