SINOPSE
Navego no mundo de minhas vivências em busca de personagens. Minha mente divaga livre, penetra meu inconsciente, procurando um cenário de criações. Temo que tal exposição me condene, porém aceito o risco de me causar um dano. Cortinas se abrem num cenário comum... Em qualquer lugar do mundo... Um homem solitário caminha nos passo da própria angústia. Não tem pressa, pois, sabe que o futuro é a morte. Procura uma certeza que não esteja nele. Uma certeza que misteriosamente o faça acreditar em algo que efetivamente só vivenciará depois de morto. Estará fatalmente preso a esse compromisso. Prende-se a esta certeza como se, enfim, “religa-se” seu cordão umbilical. Consuma-se na fé. Religião... Tudo é coerente com os seus atos e os personagens (que não vemos com vivos olhos) representam, com propriedade, das devoções às pulsões. Assim montou-se o primeiro palco da peça de um eu em busca de identidade. O Eu bom, ovelha querida do Bem absoluto e o Eu perverso, influenciado negativamente pelo Mal. Personagens definidos, foi selecionado o elenco. Todos representados na imagem e semelhança do homem. Deus todo Poderoso (Pai eterno) e Lúcifer, ex-anjo rebelde e mau (Padrasto indesejado). Enredo inicial – julgamento – necessidade de estabelecer desde o início a existência de apreciação segundo a melhor consciência. Ficção representando realidade – cada íntimo julgando ser a melhor consciência para apreciar atos alheios. Vidas submetidas a análises e veredictos, por ser assim... Verdades que não mais se velaram. Verdades inacessíveis aos homens comuns – já estavam escritas em textos que não permitem questionamentos, apenas a liberalidade de interpretações distintas. Lúcifer desafiou Deus e foi punido. Um julgamento como tantos outros, espelho das realidades humanas, audiências teatralmente realizadas, sentenças pré-escritas, proscritos, conceitos de bem e mal definidos. Julgamentos e castigos, castigos e punições, julgamento de consciências, consciências de julgamento... Justiça... realização da melhor consciência... Anistias e perdões enobrecem os julgadores. Lúcifer poderia ter sido perdoado, ter o sido por esquecido, mas o silêncio sepulcrou a esperança, e sua sentença transitou em julgado...Condenado a infinitamente ser danado... Provação do bem que não pode rever seu ato. Lúcifer condenado, um silêncio o sentenciou a ser o Mal absoluto. O silêncio que deixou que a verdade fosse estabelecida pelo Julgador na sentença transitada em julgado. Tal condenação encontra narrativa no desenvolvimento do mal no meu Eu incompleto. O mal caminha junto ao homem... Completa os passos... Por instantes perco a linha de raciocínio... Homens desfilam em paredões, rajadas de tiros, corpos, rajadas de tiros, mortos... Ouvem-se gritos de silêncio, palavras mudas de despedidas, saudades ainda em vida, póstumas revelações, suspiros... Canhões, homens que gritam, ordenam, sentenciam, audiências que repetem audiências já escritas. Bem e Mal claramente evidenciado, melhores consciências e realização de justiça. Homens que representam Deus, deuses que representam homens e marcham justos... Homens presos ao medo. Calam suas palavras e repetem as já ditas. Homens condenados à danação de não ser. Não ousam, vivem o justo...estão satisfeitos com o que Deus quis...Não questionam, respondem as sentenças já prolatadas por consciências justas. Anúncios de um novo espetáculo – torres de concreto morrem, homens atingidos desabam, estruturas agonizam, alicerces sufocam em corpos, mutilações dos andares, corpos em pedaços... sob os escombros o silêncio... Lembranças explodidas fundamentam a realização de novas audiências. Homens que gritam, sentenciam...Novamente se arma o duelo do bem e do mal...homens brigam pelos papéis dos protagonistas, representam Deus e o Diabo e trocam as falas... Melhores consciências proferem sentenças, remontam profecias, traduzem o veredicto da bestialidade. Novamente homens se nomeiam deuses e em julgamentos condenam “anjos” que silenciam. Lúcifer aprisionado no cárcere da sua danação, apenas observa... O poder do seu silêncio transformou-se no grito agudo que justifica meus erros. O homem silencioso caminha... Meu olhar paira sobre a loucura humana – a necessidade de ter Deus para poder sê-lo em seus caprichos – direitos que nunca foram analisados, análises que não foram direitas. Consciência da minha mortalidade, consciência de que tal ato já está escrito.... O homem caminha condenado à punição de sua certeza. Caminha resignado, está livre da culpa. Caracterizado que meus fatos esclarecem meu eu, e que a dualidade foi banida da minha alma quando a pluralidade me conquistou...Sou boa, má e ou indiferente, mas sou ainda algo que não é Deus ou Lúcifer. Encontro minha insanidade nos meus viciados julgamentos. Também já julguei e não fui justa. Surtos de melhores consciências me dominaram e me levaram a crer que poderia. Absolvi-me por putativa competência numa audiência forjada. O homem caminha... está cada vez mais distante. Observo seu frágil corpo cair sobre o chão. Tropeçou... O homem se ergue e continua sua trajetória sem pressa... Reticente termino a narrativa. Minha criatividade encontra limites na serena trajetória do homem. Perco-me na impotência das minhas dúvidas. Tento sombrear minha lucidez nas molduras do meu viver. Longe da intensidade do personagem, sou apenas uma costureira de retalhos.
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 24/01/2005
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