COLCHA DE RETALHOS
Amanhece em mim o abandono das recordações. A falta de sentido de uma lembrança solta. Um eu exposto que aparece completo camuflando um todo fragmentado.
Palavras em narrativas sedutoras se libertam e se perdem. Novos retalhos dissimulam as emendas. Um discurso que se concretiza e se distrai... Abro o baú de recordações. Achados se perdem no cheiro do esquecimento. Minha história vai mofando amofinada num corpo que não é o meu. Escondo os sonhos sob a colorida colcha de retalhos e tento ofuscar a escuridão com a claridade de uma janela... Aproprio os guardados e costuro minhas partes. As metáforas assumem novas funções, já não camuflam inverdades... Transformam-se num tear costurando lembranças: meus pássaros voam, perdem as asas, entregam-se ao cotidiano, tornam-se formigas, seguem o rumo, navegam no infinito e pousam sonolentos no papel. Linguagem sonolenta é linguagem infantil. Costuras, agulhas, cores traçam sinceras percepções... A certeza de uma vivência costurada traduz novas inquietações. Vestes de expectativas decoram as velhas roupas desbotadas. Indagações bordadas – Quem viveu? - respostas cerzidas – Eu! Remendos que camuflam as lacunas da colcha de retalhos. Singular e plural se mesclam e já não sou eu ou nós... Sou ele. As lembranças se perdem em sujeitos indeterminados. Parte de mim sentida como própria e outra parte, recordação percebida pelos outros. Monto peças no palco das reminiscências e sou personagem – protagonista do que não vivi. Não consigo me separar completamente. Algumas lembranças são minha primeira pessoa, mas continuam sujeitos indeterminados quando tento identificar as autorias... Aprendi a me reconhecer nos passados Eus. Exploro as metáforas e narrativas. Desnudo-me e imprimo no corpo a sutileza dos motivos. Transporto sombras para o papel que retalham o meu absoluto. Sou relativa aos esquecimentos e às recordações. Teço vivências em linhas do presente. Sou colcha de retalhos com emendas de lucidez e loucura...
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 09/06/2005
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