Colcha de Retalhos

"O homem é um deus quando sonha e não passa de um mendigo quando pensa." Holderlin

Textos

ISSO É LÁ COM SANTO ANTÔNIO!

Um longo e apaixonado beijo. O casal se esconde na cozinha e tenta dar vazão aos arroubos juvenis. Os namorados olham-se com cumplicidade e sentam à mesa com os braços entrelaçados nos suaves carinhos.
As vozes de Irene e das duas meninas, Carlinha e Lu, aproximam-se. As meninas querem comer pizza, Irene, o que sobrou do almoço. O casal permanece aprisionado no olhar, tenta disfarçar o desejo e as descobertas. Apaixonados não sentem fome...
Nuggets. O lanche está resolvido. Irene abre o congelador e retira uma bandeja com os congelados. Lu grita assustada:
“Que é isso?”
Irene, visivelmente constrangida diante do casal, tenta disfarçar com justificativas dispersas. A responsável é a ex-empregada... Mas a menina não se dá por satisfeita.
“Mas é um santo... Que santo é?”
Irene responde com a voz baixa que é Santo Antônio.
“Tadinho! Tira ele do frio!”
Irene tenta acalmar Lu, explicando que é apenas uma estátua e que não pode tirá-la do congelador, pois ela desbotaria.
“Desbo... O que? Mas é um santo!”
A menina aos poucos é convencida ou, pelo menos, entrega-se a novas inquietações. Irene frita os empanados. O casal troca novos olhares, acumplicia-se na percepção e sai.
“Será que Irene enlouqueceu? Colocar o Santo no congelador...”
Os namorados tentam descobrir os porquês.
“Será que é crendice?”
A mulher sorri. Já lera em algumas histórias populares sobre perversidades feitas com a imagem de Santo Antônio quando ele não realiza os desejos. Mas não poderia imaginar que sua amiga de tantos anos estava realizando tais rituais em busca de um namorado. Irene era uma professora universitária com doutorado...
Tentou explicar ao companheiro com alguma sutileza. Não queria expor os misteriosos véus do mundo feminino, a carência da amiga, a incessante busca do encontro...
“Não acredito! Irene é esclarecida não vai se deixar levar por bobagens populares.”
O casal sentiu-se ainda mais fortalecido. O encontro foi espontâneo e, de repente, os dois sentiam-se completos na presença do outro, vivos no desejo e na admiração mútua. Uma troca de olhares... A relação se desenhou com cores fortes e, por enquanto, caminhava nos roteiros dos contos de fadas. Os namorados esqueceram de Irene e entraram na loja de artesanato em busca de um objeto que simbolizasse aquele momento. Compraram uma pequena estátua de cerâmica de Santo Antônio.
O final de semana na praia havia preenchido de horizontes a relação. Estavam mais apaixonados e ávidos por estarem juntos. Viver não poderia mais ser conjugado na primeira pessoa do singular – as metáforas haviam se concretizado no conhecimento, na conjugação compartilhada do dia-a-dia.
Voltaram para casa descansados. Passaram-se alguns dias até o homem perceber o pequeno embrulho no canto do bagageiro. Lembrou-se com um riso malicioso dos momentos vividos sob as brumas da maresia. Mas, ao abrir o embrulho, encontrou o Santo com a cabeça quebrada. Sentiu um intenso arrepio correndo suas costas, seus cabelos...
“O que isso significaria? O Santo decapitado depois de um fim de semana de tanto encantamento? O que fazer? Colar os pedaços?”
Ligou para namorada e falou sobre a estátua, tentou não demonstrar preocupação... Ela permaneceu reticente... Marcaram um encontro no almoço, ambos sentiam-se inseguros.
Por que logo com Santo Antônio?
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 24/01/2005


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