PÉTALA DESFOLHADA - DIÁRIO DE UMA JOVEM
O corpo nu desliza nos lençóis úmidos. A jovem se levanta e tenta esconder seus contornos nos cantos de penumbra do quarto. Sente a intimidade em carne viva. A exposição absoluta de sua vergonha, o pudor dos primeiros movimentos deflorados no mundo.
Observa o namorado adormecido. Remonta as sensações de dor e prazer no corpo trêmulo, no grito liberto, no esperma quente que escorre por entre suas pernas. Perde a certeza do próprio sentimento no sono do amante. Sonhou com tantas palavras redundantes, com tantas juras, e despertou no corpo embriagado de prazer com a ejaculação do desejo. Deixa a água correr sobre o corpo. Arrepia-se com as lembranças enquanto toca sua dolorida vulva e percebe seus mamilos tesos. O silêncio a preenche de angústia. O desconhecido se consumou em seu corpo e, entre a dor e o prazer, a breve perda dos sentidos traz algumas fantasias... A constância dos encontros redesenha seu corpo. Já não se confunde com os cantos, já não perde a nitidez da própria silhueta ao centro. Os ciclos se sucedem um pouco descadenciados. O prazer compartilhado nos nós de intimidades se estende num eu sozinho e com medo. A relação ganha um novo perfil nas dúvidas e nos anseios... A jovem deixa-se rabiscar uma gestação solitária, um embrião de incertezas, embalada no sono sereno do amante. Amadurece diante das respostas que deve suportar... O corpo seminu se esconde nos lençóis secos. Estiagem... Inquieta-se na solidão de uma noite de vigília. Pensa nos conhecidos encontros, mas se dispersa na possibilidade da paixão. Procura a surpresa de um olhar insaciável, de um corpo que complete seus vazios. A emoção virginal da entrega ao outro. A palavra que não disse cicatriza no ventre e sua sombra caminha ainda nos cantos do quarto. Observa o sono distante do amante. Suas emoções ainda estão presas àquele silêncio. O sonho desfeito nos lábios cerrados de indagações. O que sou nele? O que represento em mim? O que projeto em nós? A mulher se levanta com as emoções à flor da pele. Caminha até a janela e estende sua silhueta para que possa refletir o perfil feminino e voraz na madrugada deserta. A solidão preenche o presente com a esperança de um despertar... Talvez devesse deflorar o medo e se entregar com verdade, deixar-se conhecer pelo obscuro olhar, interpretar-se nas palavras de uma linguagem intraduzível... A constância dos encontros vicia seu pensamento. Os dias passam e tropeçam nos remotos afetos, nas sucessivas entregas... Brinca de bem-me-quer em pétalas desfolhadas, escreve um diário de inquietudes que marcará todos os descobrimentos de sua vida.
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 07/06/2005
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