DONA ROSITA, A SOLTEIRA Federico Garcia Lorca
De manhã cedo, ao abrir-se
Rubra como sangue está. Pela tarde fica branca, De um branco de espuma e sal. Quando a noite vem baixando, Principia a desfolhar-se... Federico Garcia Lorca Rosita é uma jovem órfã criada com todos os mimos pelos tios. Consagra seu primeiro amor no noivado com o primo. Sua alegria é contagiante. A mocidade desnuda todas as possibilidade e realizações de Rosita com um jardim no fundo do cenário. Os pais do primo adoecem e o noivo é obrigado a ir ao interior cuidar da fazenda da família. Os jovens noivos fazem planos, reafirmam as juras e o moço parte em sua missão, prometendo breve retorno. Rosita permanece cuidando do enxoval, costura no mundo os sonhos de uma jovem apaixonada. O tempo passa e as dificuldades se sucedem. Tantas cartas tentam justificar as ausências, tantos diálogos são marcados com a insustentável compreensão de Rosita. Os personagens envelhecem. O tio morre e deixa a casa e os móveis hipotecados, a tia, a ama, Rosita, as solteironas... Todos permanecem no mesmo cenário, convivendo com os sonhos juvenis da noiva e dos novos planos desenhados, nas cartas que ainda chegam na idealização do noivo distante há anos. Dona Rosita, envelhecida, não percebe o tempo e continua a se vestir e comportar como a jovem noiva, costurando e bordando novas peças para o enxoval. A última esperança é um casamento por procuração, mas o documento nunca chega. Longa espera, até Rosita enterrar o sonho de se casar. O noivo contraíra matrimônio há muitos anos e já construiu uma vida longe dos ideais juvenis, apenas manteve esperanças de Rosita nas cartas que mandava eventualmente por não ter a coragem de romper o compromisso. “Eu sabia de tudo. Sabia que ele tinha se casado; uma alma caridosa se encarregou de me contar, e eu recebia as cartas dele com uma ilusão cheia de soluços, que até a mim mesma espantava. Se os outros não tivessem falado, se vocês não tivessem sabido; se ninguém mais além de mim soubesse, as cartas e as mentiras dele teriam alimentado minha ilusão como no primeiro ano de sua ausência. Mas toda gente sabia...” A peça encerra com a protagonista saindo da casa ao anoitecer, enquanto chove, para não ser vista pelos demais. Dona Rosita, a solteira é um dos textos teatrais que destacou Federico Garcia Lorca como o grande dramaturgo espanhol. Drummond traduziu o título desta peça como “A linguagem das flores”. Suas peças penetravam o universo feminino e desnudavam a alma da mulher espanhola e os contextos em que viviam A maternidade, o casamento, a religião, o papel social da mulher foram temas abordados com muita propriedade em seus textos e criaram um alerta para muitas hipocrisias da sociedade de sua época. Porém, a leitura dos textos nos mostra a atualidade de muitos sentimentos, obriga-nos a uma reflexão profunda de nosso papel e do poder de transformação que podemos adquirir se assumirmos o conhecimento do que nos cerca. Presenciamos a decadência da protagonista quando nos certificamos que Dona Rosita não assumiu a vida como um projeto a ser construído de acordo com as circunstâncias, insistiu em não compreender as novas realidades e permaneceu costurando o enxoval do que poderia ter se consumado. Como diz o filósofo espanhol Ortega Y Gasset “Eu sou eu mais a minha circunstância”. Assim, leitor, não podemos permanecer no mundo sem tentar desvendá-lo. A vida é uma conquista diária que requer conhecimento e luta. Não deixe que falsas ilusões o prendam a ideais passados. Cultive o próprio jardim, mas não se deixe aprisionar nas estufas sociais. Crie um personagem ousado e viva o roteiro de sua autoria. Minhas primeiras leituras teatrais foram as peças de Federico Garcia Lorca, entre elas, destaco “A casa de Bernarda Alba”, “Yerma”, “Bodas de Sangue”, “Dona Rosita, a solteira”. Tais viagens literárias transformaram-me numa apaixonada pelo teatro. Diante de novas circunstâncias, conheci Lorca como poeta, músico e artista plástico. Estudei sua biografia e lamentei que suas possibilidades tenham sido fuziladas pela intolerância e pela irracionalidade humana durante o regime de Franco. Um silêncio que nunca poderá ser interpretado.
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 24/01/2005
Alterado em 13/05/2005 |