À MARGEM DA PAUTA
Águas maternais embalavam minhas emoções em incessantes ondas. O mar era meu infinito... Apropriei-me do corpo do mundo, senti-me envolver pela plenitude ao observar o longínquo horizonte.
Espumas... Perdia-me com minha criança correndo do mar. Sentia o lúdico medo das ondas. Espumas... Encontrei-me surpreendentemente feliz ao pular sobre o mar e cair ainda em ondas. Talvez me realizasse em espuma, talvez fosse apenas o borbulhar da essência. As ondas não cessavam, compreendi que a vida também ainda estava por vir... E o vivido? Velejaria ainda em um mar morto...? Voltei a face para o chão firme, algo que o seio materno de meu mundo não amamentava. Assustei-me. Em minha frente havia a plenitude e no caminho, uma parede de areia. Não poderia perceber a plenitude e viver a realidade. Tentei retornar... Mas havia uma parede de areia... A origem perdia-se atrás de uma construção sólida. Cavei, tentei transpor o bloco, mas só conseguia aprofundar-me em seu conteúdo. Cavei e só consegui jogar em mim os grãos do que me aprisionava. Perdida em tentativas de fuga, fui alvo fácil para a violência de um mar revolto. As ondas impacientes estouravam na parede de areia e me lançavam ao espaço. Do céu, pude observar minha queda, sentir o frio de um corpo caindo, perceber a vulnerabilidade de quem não tem asas... Do céu, pude cair por várias vezes, até não mais sentir a queda e só perceber a angústia de não ter domínio do corpo, de não poder parar... Do céu, caí em minha cama angustiada. Acordei de um sonho em queda, caí de um sonho na realidade seca, sem mar, sem horizonte... Acordei simplesmente de um sonho ruim. Levantei o corpo e percebi que o dia era diferente. A luz da janela era diferente dos dias comuns, era uma cor difusa, perdida entre muitos amanheceres. Levantei apenas porque era costume levantar... Ainda era a mesma dentro do conhecido corpo. O dia estava invertido, minha sombra estava perdida presa ao corpo do outro. Procurei-me no espelho e a imagem sorriu... Apesar de minha perplexidade, ela não conseguiu esconder sua satisfação. Fui escrever um conto, inspirada em meu conflito interior... Perdi-me na indecisão do começo – qual a palavra? – perdi-me apenas, minha impotência preenchia as virginais folhas, emprenhavam de ações o vazio que sentia. Pude ler meu nome gravado, percebi que era apenas uma personagem. Mas como? Fui impulsionada pela necessidade de criar e me aprisionei no corpo literário. Como poderia me libertar das características da figura dramática? Como poderia viver à margem do pensamento do outro com a sombra permanentemente sedimentada em sombras alheias? Em quem me tornei? Quem? Grãos caíam em meu corpo enquanto tentava cavar a saída para o cárcere. Grãos caíam, ondas me lançavam para cima, grãos de mim caíam espalhados por entre as folhas. Do céu, espalhei-me sobre a folha seca vergada sobre a mesa. Acordei de um breve adormecer... Ainda seca de folhas vazias. Acordei de repente de um sonho sem inspiração... Observei uma autora, uma personagem – no reflexo, uma folha em silêncio. Histórias revolviam num mar infinito... As ondas enfrentavam em mim a inconstância. Afoguei no corpo o enredo, enquanto as inspirações se estendiam no horizonte. Busquei calar no dia as razões para meus fragmentos.
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 06/06/2005
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