OROBORUS
A serpente engolindo a própria cauda atordoa a percepção de quem tenta encontrar o ponto de partida. Com estranhamento, os olhos percorrem a forma circular enquanto o pensamento se deixa serpentear pelas plurais interpretações e se recria nas formas ovais que sustentam as reflexões e lançam as expectativas espiraladas ao mundo. Oroborus é a imortalidade e também o renascimento, é o infinito... A negação da morte e a sua afirmação mais contundente. A metáfora absoluta da renovação do ser que se consome e alimenta no mesmo ciclo, renova-se fortalecida com a própria exaustão como a sabedoria que amadurece quando se desfaz das folhas secas e fortalece as raízes e galhos para conquistar os novos tempos. Um símbolo que sobrevive aos extremos. Seja o círculo ou a sinuosidade de um oito vivo, seja a serpente que devora ou a que se lança de si... Sem começos ou fins, a serpente é uma alegoria única, contínua, um elo inquebrantável que quando percebido transforma a compreensão da existência numa perene filosofia, faz a experiência humana se ornar com as sagradas e profanas vestes de um constante principiante e traz à lembrança os sonhos à espera de realizações. A dinâmica da morte e da vida ressuscitada num andamento musical, numa linguagem reticente, numa pintura que lança o espectador numa viagem labiríntica à própria essência, numa ausência que a saudade cicatriza no corpo num arrepio ininterrupto, numa presença sempre em busca de um novo significado... Uma carta retorna ao remetente com a emoção do outro. Um livro abandonado num sebo encontra o leitor e um local na cabeceira. Uma carência aporta no olhar amoroso e ganha um novo significado com a profusão de sentimentos. Sincronia de percepções ao resgatar o sonho plural com anima e animus e vivê-lo nas correntes dos rios cotidianos nas superfícies e subterrâneos redescobertos. Renascimento das fontes, do extravaso dos cursos que se completam e reiniciam em mar, salgados pelas vivências profundas, lançados às vestais areias no zênite do encontro harmonioso. Prazer de se reencontrar em busca... As imagens do mundo reunificadas nas mandalas originais que se propagam nos círculos dos céus e infernos individuais com os enigmas de anseios e ambigüidades. Liames... O silêncio. A palavra reclusa ganha nova forma nas abissais lacunas que não podem ser verbalizadas e são esculpidas em renovadas e íngremes perspectivas das alvoradas. A linguagem navegante se lança ao vasto oceano, rebatizado em ondas, e recria os horizontes com a magenta luminosidade dos crepúsculos vespertinos.
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 14/08/2006
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