Colcha de Retalhos

"O homem é um deus quando sonha e não passa de um mendigo quando pensa." Holderlin

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HUMOR FUNDAMENTAL (Homenagem ao Bussunda)

Acabo de ler Cartas Persas de Montesquieu encantada com a ironia que o escritor utiliza para costurar a sociedade francesa do início do século XVIII e criticar os costumes e as instituições políticas e religiosas. A correspondência de dois persas que estão em Paris é a narrativa de um olhar distanciado para um mundo a ser redescoberto. O absurdo de algumas instituições é exposto em comentários “inocentes”, como a compra dos cargos vitalícios de juízes, as manipulações do clero e o perfil traçado do monarca Luis XIV, a quem alguns historiadores atribuem a declaração “O Estado sou eu”.

Se o aristocrata Charles-Louis de Secondat, Senhor de La Bredé e Barão de Montesquieu, autor da teoria da separação de poder confirmada na maioria das constituições nacionais, tivesse escrito um tratado político com sua crítica pungente sobre as instituições e os costumes não teria o alcance que atingiu com suas cartas persas, pois muitas vezes a ironia é uma forma preciosa para dissecar a realidade e elaborá-la.

Ainda presa às reminiscências da leitura e intercalando as críticas à sociedade francesa aos relatos do caos instaurado no harém de Usbeck pelas mulheres e pelos eunucos, ligo a televisão e me deparo com a morte do humorista brasileiro Bussunda na Alemanha. Passo alguns instantes até perceber que não se trata de uma pegadinha. O humorista realmente morreu de ataque do coração.

Meus pensamentos são dominados pelos personagens de Bussunda, as caricaturas das personalidades do nosso cotidiano. Nada é mais revelador do que o humor. A arte de transformar a realidade em riso, desmascarar as hipocrisias e adorações e, no íntimo, mexer com o sentimento de indignação dos espectadores.

O iluminista Voltaire propagava a ironia como uma forma superior de inteligência. Bussunda no grupo Casseta & Planeta consagrou o humor como a perspicácia de penetrar no inconsciente coletivo e fazer uma crítica marcante de nossa contemporaneidade. A genialidade cômica rompe com os lugares comuns e recria o humor como um poderoso instrumento de transformação.

Não será possível desassociar a invenção e a interpretação dos personagens de Bussunda da história do Brasil das últimas décadas. Um humor inteligente que instiga a reflexão. Bussunda continuará sendo nosso olhar crítico para os contextos que nos cercam.
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 19/06/2006
Alterado em 19/06/2006


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