Cândido ou o otimista - Voltaire
O MELHOR DOS MUNDOS
“... as coisas não podem ser de outro modo: pois, como tudo foi criado para uma finalidade, tudo está necessariamente destinado à melhor finalidade.” Cândido ou o otimista Voltaire Cândido vive como agregado no castelo de um dos homens mais poderosos do local e tem como preceptor o mestre Pangloss. Durante toda sua vida aprendeu que deveria compreender todos os acontecimentos da melhor forma possível, pois nasceu como uma inserção possível no melhor dos mundos, e alimenta sua grande paixão por Cunegundes, filha do Barão que o abriga. O enredo nos surpreende com uma sucessão de desgraças: Cândido é expulso do castelo por ser surpreendido no único encontro com Cunegundes, Mestre Pangloss é enforcado, dissecado e reaparece vivo com explicações absurdas, Cunegundes se prostitui, envelhece carcomida por infortúnios... Os personagens cruzam o mundo em busca de um encontro possível, mas estão naufragados num mar de otimismo irracional. O leitor é contagiado pela ironia de Voltaire. As diferenças sociais, os preconceitos, os idealismos exacerbados, as guerras permanentes e não motivadas, os inocentes, a corrupção... Ricos argumentos para a vida de Cândido que teima em “sustentar que tudo está bem quando tudo está mal”, segundo os ensinamentos de Pangloss. O velho sábio Martinho enriquece as vivências de Cândido. Surge como acompanhante e transforma-se no contraponto necessário às percepções que só encontram alicerces na filosofia ministrada por Pangloss. No trajeto final, é o olhar realista das sombras fragmentadas de desgraças e realizações que insistem em manter os caminhos primitivos e sacramentam, definitivamente, a impossibilidade de uma visão conformista e otimista. Martinho é maniqueísta e não espera coisa alguma do mundo ou das pessoas. Seu olhar é realista, apesar de tão aviltante. “Por toda a parte os fracos abominam os poderosos perante os quais rastejam, e os poderosos os tratam como rebanhos de que vendem a lã e a carne” “- Que mundo é este?” A indagação costura as mazelas do protagonista e encontra diversas respostas: “o melhor dos mundos possíveis” de Pangloss ou “alguma coisa de louco e abominável” de Martinho. A grande lição é dada pelo velho turco que passou a vida cuidando de sua família dentro dos limites de sua propriedade: “aqueles que se metem em negócios públicos acabam miseravelmente”. A vida de sua família está em harmonia: plantam e colhem os frutos do trabalho no pequeno sítio. O homem, distante das pretensões intelectuais, ensina aos filhos que o trabalho afasta os três grandes males: “o tédio, o vício e a necessidade”. Cândido retorna para a propriedade. Sua vida realizou-se à margem do ideal. Cunegundes, a donzela desejada, só se transformou em realidade quando já velha e gasta. Os sábios ainda tentam travar os embates filosóficos, contudo, a platéia sucumbiu às intempéries sem âncoras previdentes. Os personagens enforcaram-se nos nós cotidianos, dissecaram suas intimidades nas possíveis relações e se iludiram com ideais extemporâneos. “O melhor dos mundos possíveis...” Após ouvir que todos os acontecimentos estavam encadeados da melhor forma possível no melhor dos mundos. Cândido encerra nossa leitura: “Tudo isso está bem dito... mas devemos cultivar nosso jardim.” Voltaire escreveu “Cândido ou o otimista” quando conseguir superar todas as prisões, intrigas e infortúnios que marcaram sua história. Nos últimos vinte anos, viveu em companhia da sobrinha num domínio de Ferney, na província de Gex, quando transformou a fazenda maltratada numa terra produtiva. Cândido e Pangloss foram concebidos neste período de estabilidade, quando o escritor elaborou suas vivências e conhecimentos, costurando uma de suas obras mais conhecidas e respeitadas. Contudo, Voltaire permanecia envolvido com os “negócios públicos”: ao defender a família de um jovem que se suicidara, Calas, iniciou uma luta por todos os que lhe pareciam injustiçados, incluindo a defesa do jovem La Barre, acusado de mutilar crucifixos. Muitos sábios como Pangloss sobrevivem e espalham suas idéias otimistas, tentando ludibriar cândidos e inocentes com a certeza dos melhores mundos. Diversos artigos e ensaios costuram os personagens de Voltaire em contextos econômicos e sociais atuais e tentam satirizar alguns protagonistas contemporâneos. Alguns meios de comunicação sustentam que tudo está bem quando tudo está mal. Mas... Infelizmente estes são os negócios públicos que causam a miséria aos que se envolvem sem defesas e com fortes idealismos. Na construção do mundo possível, o homem deve se estruturar com todas as ferramentas ao seu alcance. Uma ampla visão da humanidade, suas contradições e convergências, e uma segura restrição de sua inserção nas causas sociais nas possibilidades de realizações e conquistas pessoais. O homem é a realidade que laborada com empenho gera frutos e escreve a verdadeira filosofia com atitudes legítimas. O mundo não é bom ou mau, é apenas um mundo que deve ser encarado com força e coragem. Tudo está bem dito. E você, leitor, já cultivou o seu jardim?
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 13/05/2005
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