SUSPEITA
“Nada é tão difícil de afogar quanto uma suspeita, porque nada existe que volte à tona tão facilmente e com tanta freqüência.” Friedrich Dürrenmatt Acontece de repente. A percepção efêmera de um olhar, uma palavra, uma dedicatória na página marcada do livro de cabeceira... No primeiro momento, é apenas um olhar, uma palavra, uma dedicatória sem importância. Mas qualquer instabilidade reacende o sentido sombreado como uma fagulha avassaladora que queima e destrói a razão... Com a lembrança, já dimensionada com as lentes de aumento das experiências cicatrizadas, surgem novas interpretações. A suspeita desentranha outros olhares e cria novas palavras. Assume proporções inalcançáveis com a presença de algumas ausências: o telefonema não respondido, o cansaço num dia de lazer, a palavra solta e sem sentido proferida durante o sono... O testemunho tardio elabora, numa intrincada narrativa, o grito ou o silêncio maculado de ciúmes e receios. Os dias passam arrastados nos grilhões da imaginação. Será? Por quê? Quando? À sombra da desconfiança, o amante assume um tom reticente, já não busca apenas o amor, mas o descuido, a confissão... Suas palavras amorosas desdenham da entrega do outro, já não compreende o encontro com a certeza de ser a projeção da intimidade amadurecida. Seu corpo deixa-se suspenso no espectro que cria e alimenta, costurando pensamentos, palavras e desatenções. Seu olhar assume o risco de uma lâmina afiada e reflete o brilho distante dos temerários julgamentos. Com muito sofrimento, tenta abrir as velhas janelas desgastadas, esquecer os pressentimentos, lembrar da alegria, mas... E os olhares que não presenciou? As palavras que se perderam distante da cabeceira? Os sonhos não confessados? O nome que nunca tomou forma? As dedicatórias dos livros desaparecidos? Enlouquecido por intuições, deixa-se à deriva num oceano de suspeitas enquanto resseca num deserto sem horizonte... Um dia, sem forças para prosseguir, renuncia ao amor e parte para longe do continente que povoou na conjunção dos silêncios, palavras ternas e gritos. Abandona as vivências para conservar as imaginadas e incorporadas em sua realidade. Assusta-se ao parir um natimorto, mas não lança ao mundo a oração de lamento ou a afirmação do perdão. Enterra parte de si junto ao fruto ressecado e prossegue com os estigmas da suspeita...
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 25/01/2006
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